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Contos, observações e divagações sobre esse interessante mundo em que vivemos.

domingo, 25 de abril de 2010

Cumpade

Quarta-feira, 01h30 da madrugada. Depois de assistir a um jogo do Sport na casa da namorada junto a um casal de amigos, Lúcio é parado numa blitz. Dia de jogo é sempre dia de alegria dos guardas. O guarda manda encostar e vai andando bem devagarzinho em direção ao carro, com uma mão no cinto, cheio de moral, e para ao lado da porta do motorista. – Habilitação e documento do carro. Lúcio tira os dois documentos da carteira, depois de se atrapalhar um pouco tirando-a do bolso da calça jeans surrada. Entrega para o guarda, que encarando os olhos já pequenos e vermelhos do rapaz, dispara: - Desligue o motor, por favor. Lúcio percebe que não tinha desligado o carro e o faz seguindo as orientações da autoridade. O guarda vai para trás do carro, confere placa, volta para a posição ao lado da porta, olha para a foto, olha para Lúcio, olha para a foto... – Você bebeu? Lúcio percebe que o porte da blitz era pequeno, apenas com uma viatura e dois guardas mais adiante. – Essa blitz tem bafômetro? – Sim - responde o guarda. – Então não bebi. Guarda olha friamente para ele. - Por que então perguntou se tinha bafômetro? – Ué... pelo mesmo motivo que perguntou se eu bebi. O guarda pensa. – Perguntei se tinha bebido para saber se você tinha bebido. – Eu também... perguntei se tinha bafômetro para saber se eu tinha bebido. Guarda dá uma risadinha sem graça de lado e assobia o canto da boca como se limpasse os dentes. - Quer dizer então que se eu dissesse que não tinha bafômetro aí você diria que tinha bebido? Lúcio olha para frente percebendo um carro passando por ele e sendo parado mais na frente por outro guarda. Fez expressão de alívio. – Sim, mas na verdade só para brincar... sabia que o senhor não ia poder fazer nada para provar e acabar me liberando a contra-gosto. – Se dissesse que tinha bebido, meu rapaz, declaradamente, podia reter seu carro. – É, só que aí eu voltaria atrás e diria que foi brincadeira... mas que na verdade não tinha bebido. Pequeno riso no canto da boca. O guarda acha aquele papo todo muito estranho e o rapaz com um chato tom de sabido. – É, rapaz, mas aqui temos bafômetro e o senhor acaba de ser convidado para fazê-lo - dando um passo para trás. – Ah, muito obrigado, seu guarda, mas não quero não.. deixa para outro dia. – Vai se recusar?
– Para quê perder seu tempo, autoridade, se eu já avisei que não bebi, não confia em mim? – Não. Para isso existe o bafômetro - diz o guarda num tom mais áspero. – É verdade...justo, eu também não confio muito em guardas. Com um tom agora quase que mecânico: – Se recusar, é um direito que lhe assiste, mas serei obrigado a aplicar a multa, aprender a carteira e o carro. O carro só será liberado com um condutor que se habilite a fazer o teste e comprove estar apto para a condução. – Seu guarda, seja sincero, o senhor acha que eu bebi? – Claro, sua cara diz tudo, tenho experiência nisso rapaz... sei quando o condutor tomou uns copinhos.. os olhos vermelhos, os gestos.... – É sono, seu guarda. Trabalhei muito hoje e tava na casa da namorada vendo o jogo. Tô cansado. – Sei, sei... E aí, vai fazer ou não?
– Vamos fazer uma coisa... eu aposto com o senhor que vou ser liberado sem fazer o bafômetro. – Como é que é? Guarda surpreso. – Isso mesmo, aposto que o senhor me libera sem fazer o bafômetro. Passa novamente outro carro e o terceiro guarda manda encostar. Lúcio pensativo, complementa: – Não precisa apostar dinheiro não, apenas apostar por apostar. – E o que o faz pensar que eu deixaria você ir embora sem fazer o teste? – Intuição. Passa um Gol prata e pela ausência de guardas disponíveis na pista, diminui um pouco e continua. – Ok, eu aposto - diz o guarda confiante. Lúcio encosta a cabeça no banco. – Hummmm... Ok, o senhor venceu a aposta - abrindo a porta e saindo do carro. – Vamos logo fazer esse teste. – Você é maluco, rapaz?? - o guarda achando tudo aquilo muito estranho. – Não, seu guarda, maluco não... cumpade! – Como?? – Cumpade do motorista do Gol que acabou de passar por aqui, enquanto eu ganhava tempo e a gente conversava lorota. Eu sai poucos minutos na frente dele que com certeza não ia demorar muito. E ele sim, seu guarda, peeense... tomou tooodas. Guarda atônito. – Mas ok, vamos logo fazer esse teste porque tô morto de cansado, e quanto mais demorar, mais motoristas alcoolizados o senhor deixa passar, né? Enquanto Lúcio andava confiante em direção à viatura estacionada na calçada percebeu que o guarda ficou parado alguns metros atrás. – Pode ir embora, rapaz. Virou-se rapidamente em direção a um carro que chegava, deu um apito breve e gesticulou para encostar. Lúcio entra no carro com um sorriso na alma e segue tranquilo para casa.

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